Os trilhos do progresso (Parte 2)
Série 118 anos de Assis
Fernando Nascimento
- 26/03/23
- 09:00
- Atualizado há 86 semanas
22/118
Ontem, em mais um capítulo da série Assis 118 anos, contamos de forma bem resumida, a história da ferrovia em nossa região. Hoje falaremos, também resumidamente, de como a Estrada de Ferro Sorocabana foi determinante para que Assis "deslanchasse".
Lembremos um pouquinho de como a cidade surgiu: o capitão Francisco de Assis Nogueira, mineiro de Baependi, e recém chegado por aqui, doou cerca de 80 alqueires (parte da terra que havia adquirido de José Teodoro, primeiro desbravador do Vale), para a paróquia de Campos Novos do Paranapanema, invocando a Obra Pia do Pão de Santo Antônio e o Sagrado Coração de Jesus. O registro da doação foi feito em 1º de julho de 1905.
Construída a primeira capela (no local da atual Catedral), feita de pau-a-pique e coberta de sapé e folhas de palmito, o povoamento em redor começou, timidamente, com características agrícolas e pouco comércio.
Situação que começou a mudar em 1914, com a chegada da EFS. É interessante o fato de que, por razões incertas, o projeto da ferrovia foi alterado, e o traçado atingiu Assis, em detrimento da rota Campos Novos/Platina/Conceição de Monte Alegre, as maiores cidades da região.
A primeira estação ferroviária foi inaugurada em 1º de julho de 1915 e, em seguida, ligando seus 700 metros até a igreja, foi aberta a avenida Rui Barbosa. Logo o comércio local começou a se concentrar em seu entorno, fazendo com que o centro do novo Distrito de Paz e Comarca, fosse a estação. Em 1917, Assis foi elevada à categoria de município, emancipada de Platina.
A estrada de ferro trouxe empregos para a cidade, que se tornou um centro de administração ferroviário com escritórios, oficinas, departamentos e moradia de engenheiros e operários. Em 1926 é inaugurada a atual estação, e também a Oficina de Locomotivas da Sorocabana, com capacidade para 100 locomotivas, com mais de 400 funcionários. Uma das maiores oficinas de trens existentes no estado.
A oficina alterou significativamente a região da Vila Coelho, depois Vila Operária. Milhares de famílias de ferroviários se instalaram nos arredores, ajudando a aquecer o comércio da cidade. Por ser uma classe unida, isso se refletia nos momentos fora da empresa, com sua vida social própria. Foram criados clubes (Ferroviária, que falaremos em algum momento deste especial), times de futebol, bandas de música, programas de rádio, teatros, shows e escolas.
A EFS construiu um sistema próprio de abastecimento de água, para atendimento exclusivo de seu complexo (administração, estação, oficina e depósito) e residências de seus funcionários, que captava água do córrego Cabiúna e o levava até uma caixa d'água construída no início da Rua Senhorinha de Souza, e também um de energia elétrica para suas instalações e a vila ferroviária, incluindo postes e luminárias.
A presença da ferrovia também proporcionou a construção do Hospital Sorocabano, que potencializou o desenvolvimento na área da saúde. Por ser posto de reabastecimento de madeira para suas locomotivas e ponto final dos serviços de vagões-leitos, a cidade manteve-se como centro administrativo da companhia.
Em 1969, Assis foi alcançada pela eletrificação da linha. Até então, as locomotivas eram tracionadas a diesel ou a vapor. Fator interessante, a cidade era ponto final para locomotivas elétricas, vindas de São Paulo; aqui, era feita a troca para locomotivas a diesel de trens com destino a Presidente Epitácio. Um procedimento que divertia os amantes da ferrovia e, literalmente, parava o trânsito do centro.
As décadas seguintes marcaram o declínio do sistema, como falamos ontem. Trens pararam de circular em Assis e região em 2016, em decisão judicial embasada na falta de segurança e deterioração dos trilhos.
É provável que você tenha amigos ou familiares, com suas vidas ligadas à Estrada de Ferro Sorocabana ou à FEPASA. Não é difícil concluir que Assis possui duas fases: antes e depois da chegada da ferrovia. Aqui chegamos, por conta da visão e do trabalho de milhares de homens e mulheres ferroviários.
A desativação da linha foi um momento triste para muita gente.
A saudade bate forte enquanto escrevo este texto. Me lembro de ouvir, do quintal da casa de minha avó (viúva de um chefe de trem), o apito das oficinas, que marcava os horários de almoço e o desligamento dos equipamentos, respectivamente às 11 e 16 horas. Ou de ser levado à passagem de nível da rua Orozimbo Leão de Carvalho, só para ver os trens passando. De querer ser maquinista quando crescesse. Me lembro também de meu pai, que me ensinou a amar trens.
Nada, entretanto, se comparava à diversão das mais de 12 horas de viagem até São Paulo. Algo impraticável, nos dias de hoje, mas que alegrava minha infância, pelo menos duas vezes ao ano, nas férias escolares. Tempos inesquecíveis. Felizes aqueles que viveram isso.
Hoje, as oficinas estão (infelizmente) abandonadas, enquanto a estação abriga a Secretaria da Cultura e um terminal rodoviário urbano. Alguns prédios próximos, mantém o Galpão Cultural. A linha férrea urbana serve de deslocamento para pedestres, ciclistas e motociclistas, mas também encontra-se em um estado de abandono.
Logo teremos a possibilidade de rememorar ou conhecer (para os mais novos) um pouco da ferrovia, através do Ecotrem. Projeto que está em fase de reimplantação. Uma forma de nunca esquecermos da importância da ferrovia para Assis.
Não sei se você pensa assim, mas meu desejo é que trens comerciais voltem a circular por estas bandas.
Nosso muito obrigado a tudo que os trens que cortaram Assis por mais de um século nos proporcionou.
Por Fernando de Freitas Nascimento (pedindo perdão pela forma pessoal que usei para escrever o texto).
Criado com base na dissertação "A ferrovia no espaço urbano de Assis/SP: da preservação do patrimônio edificado à defesa da paisagem", de Barbara Pereira da Mota, consultada em 25/03/2023 e disponível em
http://repositorio.sis.puc-campinas.edu.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/16221/ceatec_ppgurb_me_Barbara_MM.pdf?sequence=1&isAllowed=y
*Atualização. 27/03/2020, às 08h23 - correção de data no texto*