Estacionamentos privativos em estabelecimentos comerciais e repartições, será que essa prática é legal?
Artigo/Opinião
Neste artigo, André Ferreira, Instrutor de Trânsito e Observador Certificado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária, fala sobre a polêmica das vagas de estacionamento privativo, uma prática que está se tornando comum e, supostamente, é considerada privativa, ou seja, apenas para clientes. Seja em mercados, lojas de confecções, ou até mesmo em prédios residenciais, os proprietários de alguns estabelecimentos chegam a rebaixar a calçada em até 100% do imóvel, criando um recuo paralelo à via e caracterizando essas vagas como privativas, somente para seus clientes.
Com isso, os proprietários acabam impedindo que motoristas estacionem paralelamente às calçadas. Mas será que essa prática é legal? Quando o proprietário cria a vaga com recuo, ele automaticamente elimina o estacionamento público, tornando aquele espaço privativo aos seus clientes, e em alguns casos, em toda a extensão do seu comércio.
Em regra, esses estacionamentos passam a integrar a via pública, tornando-se, portanto, de uso comum? Será? Tratando-se de via pública, o uso dessas áreas deve ser regulamentado pelo órgão ou entidade competente, que deve implantar, manter e operar o sistema de sinalização, conforme a legislação municipal. Promover o ordenamento territorial adequado é uma competência municipal, conforme o art. 30, inciso VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Em outras palavras, é a lei municipal — normalmente o plano diretor — que trata desse tipo de assunto.
André Ferreira cita que o próprio Conselho Nacional de Trânsito afirma que é vedado destinar parte da via para estacionamento privativo de qualquer veículo em situações de uso não previstas na Resolução nº 965/22 do Contran.
Art. 3º Para efeito desta Resolução, são definidas as seguintes áreas de estacionamento específico: I - área de estacionamento para veículo de aluguel; II - área de estacionamento para veículo de pessoa com deficiência; III - área de estacionamento para veículo de pessoa idosa; IV - área de estacionamento para operação de carga e descarga; V - área de estacionamento de ambulância; VI - área de estacionamento rotativo (zona azul); VII - área de estacionamento de curta duração com uso obrigatório do pisca-alerta ativado, em período de tempo determinado e regulamentado de até 30 minutos; VIII - área de estacionamento de viaturas policiais; IX - área de estacionamento de veículos elétricos.
Lembrando que, em muitas cidades brasileiras, vagas ilegais de estacionamento são criadas, em desacordo com a legislação de trânsito, em frente a estabelecimentos comerciais ou órgãos públicos para atender a interesses particulares. Isso é vedado pela nossa legislação. O Art. 19 da mesma resolução proíbe destinar parte da via para estacionamento privativo de qualquer veículo, em situações não previstas na Resolução.
O Código de Trânsito Brasileiro — Capítulo VIII, da Engenharia de Tráfego, Art. 93 — prevê que nenhum projeto de edificação que possa se transformar em polo atrativo de trânsito poderá ser aprovado sem prévia anuência do órgão responsável e sem a previsão de área para estacionamento e acesso adequado às vagas.
Já sobre o rebaixamento de guias, o Código de Trânsito Brasileiro não trata especificamente do tema, como permitir ou não o rebaixamento de 100% da guia na frente de um imóvel comercial ou residencial. A regra geral, na maioria das cidades, é que só 50% da guia pode ser rebaixada, conforme definido pelo código de postura ou de obras de cada município, e não pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Assim, a legislação municipal é que determina a porcentagem permitida, cabendo à prefeitura aplicar sanções administrativas ao proprietário que extrapolar esses limites. O Art. 86 do CTB menciona entradas e saídas de postos de combustível, oficinas, estacionamentos ou garagens de uso coletivo, mas a regulamentação é detalhada pelo Contran na Resolução nº 973/22, que não traz regras específicas para o rebaixamento.
O espaço público não se torna privado pelo simples fato de a guia ter sido rebaixada. Por exemplo, se alguém rebaixa 100% da guia para permitir a entrada de veículos no imóvel, a área interna do imóvel continua sendo particular, mas a calçada é pública. A legislação municipal regula distâncias para passeios e espaços para árvores, placas, bancas de jornais ou postes. Portanto, o recuo na área pública não pode ser considerado privativo, mesmo com a instalação de placas de "Estacionamento exclusivo para clientes".
A afronta é chamada de "esbulho possessório", prevista no art. 1.210, § 1º, do Código Civil. O possuidor que tiver sua posse turbada pode manter-se ou ser restituído, desde que aja prontamente. Caso o esbulho seja cometido com violência ou grave ameaça, caracteriza crime conforme o art. 161, § 1º, inciso II, do Código Penal.
Embora o CTB não se aplique dentro do recuo particular, se um veículo estacionar na via pública, diante do recuo e impedir o acesso, haverá sanção. Se a guia estiver rebaixada, configura infração conforme o Art. 181, inciso IX. Se não houver guia rebaixada, mas o acesso for bloqueado, a infração está no Art. 181, inciso X. A Constituição brasileira garante o direito de propriedade, mas este deve atender à função social, conforme o inciso XXIII do art. 5º.
Essas questões são mais frequentes em grandes cidades e exigem bom senso e medidas municipais para coibir ilegalidades. O que é público permanece público, independentemente do rebaixamento da guia.