Sobre os privilégios de se (re)viver em Assis-SP
COLUNISTA - Fernando Sirchia
Voltar a morar em Assis depois de quase 5 anos na capital paulista tem sido uma experiência enriquecedora. Hoje, vejo nossa cidade com outros olhos. Em Sampa, onde habitam 12 milhões de pessoas, a concretude da eterna paisagem monocromática se impõe. Do cinza dos barracos do Grajaú na Zona Sul da cidade aos toques de cor dos grafites da Avenida Paulista, milhões de pessoas saem em erupção de buracos no chão, como formigas, na incessante busca do pão diário.
Essa correria modifica nossa percepção das coisas. Lá aprendi a comer mais rápido, a sempre portar o bilhete único de transporte para não atrasar a catraca e, invariavelmente, deixar a esquerda livre para os que maratonam nas escadas rolantes. Em Sampa o tempo corre. O dia fica mais estreito com as infindáveis horas de transporte público e o trânsito crônico, portanto, é necessário usá-lo com sabedoria.
Entretanto, não é só a nossa percepção de tempo que muda na capital. Por lá, a desigualdade é jogada em nossa cara e precisamos aprender a não olhar para as centenas de moradores de rua que se espalham pelas calçadas, pontes e praças, para mantermos nossa sanidade.
De forma curiosa, apesar de todo esse caos, faz brotar em seu seio a poesia, a música e a arte. Os muros gritam, os artistas ocupam as ruas e os corações. Museus se espalham pela cidade, a poesia surge nos semáforos, e os poetas desabrocham na cidade em que tudo é possível. Tom Zé canta sobre Augusta, Angélica e Consolação, enquanto no cruzamento da Ipiranga com a Avenida São João, alguma coisa acontece com o coração de Caetano Veloso. Criolo indignado grita aos 4 cantos sobre o amor que falta no cotidiano da cidade grande.
Com todo esse choque de realidade, voltei para Assis e passei a ressignificar a cidade. A grande estátua do nosso Padroeiro São Francisco de Assis, me fez refletir sobre nosso jeito de encarar a vida. São Francisco foi um santo católico, cuja vida foi marcada pela fraternidade, amor aos animais e o desapego material. Às vezes, nós assisenses, deveríamos nos agarrar mais a São Francisco, valorizar a simplicidade e assim começar a notar os privilégios que nossa cidade nos proporciona.
Assis é um pedaço de transição de chão e de mato. Aqui o Cerrado se encontra com a Mata Atlântica, o solo se mistura de areia e terra vermelha. Fomos abençoados por uma reserva ambiental de quase 5.000 hectares que garante uma biodiversidade incrível. Com uma bicicleta e um pouco de determinação, qualquer assisense pode ter o privilégio de assistir pores do sol de tirar fôlego, ver os pássaros em revoada, ouvir as corujas chirriar e, com sorte, presenciar lobos-guará em disparada. Para os menos aventureiros, é possível pisar na grama e ter um pouco de contato com nossas raízes por meio dos inúmeros espaços públicos que temos, como o Ecolago, o Ecoparque, o Parque Buracão e o Horto Florestal.
Assis, além de todas as belezas naturais já citadas, possui um dos IDH's (índice de desenvolvimento humano) mais altos do Estado. Estamos localizados estrategicamente - entre importantes rodovias da região - e possuímos centros universitários de referência capazes de formar os profissionais que necessitamos para alavancar nosso desenvolvimento, além de termos um povo trabalhador e aguerrido.
Eu me nego a acreditar, tendo em vista todo esse substrato físico e social, que somos uma cidade meramente destinada a oferecer serviços. Ao longo do tempo, a Princesinha da Sorocabana perdeu a ferrovia, a indústria, sua identidade e sua vocação econômica. Aprendi na capital a sonhar grande e que é possível chegar lá. Sonho em ajudar a construir uma Assis que seja modelo na educação, na cultura e na economia. Sonho com uma Assis que não obrigue seus jovens cérebros a partirem Brasil a fora em busca de oportunidades. Sonho com uma Assis que se mantenha firme em suas raízes e enquanto se projeta nas nuvens.