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"Salve cidade, cidade de Assis", e os semáforos...

Kallil Dib

  • 29/11/11
  • 09:00
  • Atualizado há 685 semanas

Por Kalill Dib

Sábado chuvoso, e depois da água que caiu a rua de terra se transformava num lamaçal incontrolável, os carros velhos e enferrujados não ousavam em tentar sair de suas garagens, e aquele cheiro de terra molhada era o motivo dos sorrisos mais espontâneos dos moradores do bairro um tanto afastado da pacata cidade do interior paulista.

A enxurrada era pretexto de alegria da inconsequente molecada, que ali brincava sem parar, até o sol virar lua. Na casa da frente a avó preparava os bolinhos de chuva. Ao lado, o senhor de idade ouvia sua moda de viola, enquanto as fofoqueiras sentavam no banquinho de madeira inventando algum assunto para se acomodarem.

A noite chegava, a missa e o culto começavam. As crianças iam à praça da igreja, correr, comer pipoca. Os adultos assistiam a filmes de romance, comentavam sobre a novela, discutiam e depois se amavam. Domingo era dia de Senna e Galvão Bueno, de família e sorrisos... Passou.

Hoje, o inconformismo toma conta de meus anseios. Não vou dizer que o tempo passa, as coisas mudam e a vida segue seu ciclo. Sei que os meninos ficam barbados, as garotas enxutas, e o coelhinho da páscoa vira lenda. Mas por aqui essa mudança foi radical.

Não sei se pelo fato de ser criança e não saber o que é problema, tudo era diferente, mas apenas pensar que na minha infância tudo se transformava em coisa de criança, já é o necessário para confirmar minha sentença.

Aos 10 anos não me conformava com o Dick Vigarista e suas trapaças. Hoje, uma década depois, aos 10 anos o menino vai armado até a escola. Aos 12 bolinhas de gude e peão eram minhas principais fontes de diversão, agora: o que é peão?

Na cidade do interior, tudo pareceu se transformar bem mais rápido. Nunca imaginei atos bárbaros por aqui: mortes, pedofilia, preconceitos, indecência. Sei que sempre aconteceu, mas nos tempos da brilhantina, fatos como estes eram raros e certamente resolvidos.

Quem um dia iria imaginar que caminhar nas ruas seria motivo de medo? E medo de meninos que nem ao menos completaram a pseudo maioridade. Alguém devia apresentá-los aos Mini Games, e campinhos de futebol feitos nas ruas. Mas, infelizmente, um carro, cervejas e bagunças, são os motivos incontestáveis de alegrias. Acho que deviam ser apresentados também a um chinelo e castigo dentro do quarto. Mas, atualmente, cortar metade da mesada já está de bom tamanho.

Em menos de um mês do fato ocorrido, rotulado como o caso dos playboys da rodobanha, a desmoralização voltou a se evidenciar na cidade. Episódio este que foi camuflado de maneira inexplicável, e que faz pensar: onde será que estamos?

Sábado, dia 19 de novembro de 2011, por volta das 21h um jovem viveria o pior momento de sua vida. Guilherme Duarte caminhava próximo a Igreja Redonda, em direção a sua casa, quando um carro branco se aproximou bruscamente e fez daquele horário a pior cena de um filme.

Dentro do automóvel dois homens embriagados que aparentavam ter entre 30 e 40 anos de idade, resolveram praticar o mal e abusar sexualmente do rapaz que passava pela rua estreita. Jogaram Guilherme dentro do carro e tentaram despi-lo. O jovem entrou em luta corporal com os bruscos e foi agredido vexatoriamente.

Ao ser jogado para fora do carro o garoto ficou preso, sendo arrastado e ferido. Atirado no meio do nada, a busca por socorro foi em vão. Com seus pertences roubados, foi até um telefone público, quebrado. A saída foi esperar o dia amanhecer e ir atrás das autoridades responsáveis.

Homossexual, Guilherme foi rotulado como o meliante e não vítima. Procurou a Polícia Militar, mas não foi ouvido. Mesmo machucado, física e emocionalmente, o Boletim de Ocorrências não foi registrado, o exame de corpo de delito não foi feito, e Guilherme se tornou vítima de mais um episódio de intolerância e inconseqüência na nossa modesta e "tranquila" cidade.

Onde será que estão os policiais de antigamente? Até isso mudou, amigo?

Amigo? Podemos falar de amizade!

Amigo era o motivo da música de Roberto Carlos, hoje, temos alguns amigos que nos fazem nem precisarmos de inimigos. "Sexo, drogas e Rock 'n roll" era só no chavão dos moicanos malucos, que nem eram tão malucos assim. Agora, o mundo se perdeu e o chavão também tomou conta do interior. Não é fácil ver aquele que brincava no banco da igreja com você, ser preso por causa de drogas.

São tantos casos que se passaram e só fazem conformar o espanto que levo toda vez que olho para trás: desde um martelo assassino, até a médica omitindo socorro.

Não quero aqui aborrecer ou muito menos agradar alguém, pelo contrário. Não estou demonstrando revolta, inconformismo ou tentando almejar alguma situação criteriosa e indecente para a minha, isso, minha cidade. Mas, Assis, é você?

Talvez eu seja radical demais e tenha observado apenas agora. Vai ver tudo isso já acontecia nos tempos da minha inocência. Mas como? Se quem era preso, por estar embriagado, virava assunto das fofoqueiras do bairro. Que, alias, agora nem no portão saem, com medo de virarem fofoca.

Eu sei que o mundo mudou e com ele a nossa cidade também. Mas e se as ruas fossem de terra novamente, os carros ainda atolassem na lama, os médicos nos atendessem como devem fazer, se caminhar não fosse perigoso, ou ir embora para casa num sábado a noite fosse normal. Mas e se os loucos forem apenas loucos, os amigos não forem "amigos" e o domingo a família se reunisse. E se a polícia passasse segurança e fosse tão segura para resolver os deslizes da sociedade?

E se a nossa pacata e linda cidade, fosse linda e tão pacata, novamente?

Enquanto isso, o trânsito também muda por aqui, quem dera os semáforos fizessem o tempo voltar.

E assim vai...

Até alguém encontrar alguma rua de terra, e esperar tudo mudar.

Por Kallil Dib

www.kallil.com

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