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Ainda Estamos Aqui: Reflexão Sobre Cultura e Identidade

Artigo/Opinião

Fernando Cândido de Paula

  • 07/01/25
  • 11:00
  • Atualizado há 1 dia

Ao longo dos anos, temos observado um fenômeno recorrente: a desvalorização da própria cultura por parte de muitos brasileiros, que frequentemente priorizam o consumo de culturas externas, como a norte-americana, europeia e asiática. Vivemos em um contexto marcado pelo capitalismo digital e pela globalização, em que as barreiras culturais foram diluídas e, por consequência, tornou-se difícil distinguir entre o que é cultura própria e o que é produzido fora.

Essa tendência se reflete especialmente no consumo do cinema internacional, dominado pela Indústria Cultural, cuja principal motivação é o lucro, com produções muitas vezes desvinculadas de um olhar crítico sobre a realidade local. No entanto, o Brasil possui uma rica história cinematográfica, com obras que refletem de forma contundente a nossa identidade, os nossos desafios e as nossas histórias. Filmes como Macunaíma, O Auto da Compadecida, Carandiru, Central do Brasil, Cidade de Deus, Tropa de Elite, Bacurau, entre muitos outros, são exemplos de como o cinema nacional pode provocar reflexões profundas e despertar o orgulho de ser brasileiro.

No ano passado, o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Selton Mello e Fernanda Torres, trouxe mais um marco para o cinema brasileiro. A produção, uma potente crítica à Ditadura Militar brasileira, não apenas nos convida a revisitar e refletir sobre esse período sombrio de nossa história, mas também destaca a importância de jamais esquecermos os erros do passado para que não sejam repetidos. A interpretação magistral de Fernanda Torres foi coroada com o prêmio Globo de Ouro, tornando-a a primeira atriz brasileira a conquistar tal honraria.

Apesar desse feito histórico, a repercussão no Brasil não foi unânime. Muitos relativizaram as indicações e as premiações do filme, algo que pode ser compreendido pelo que o escritor Nelson Rodrigues chamou, ainda na década de 1950, de "complexo de vira-lata". Segundo ele, essa expressão descreve o sentimento de inferioridade que muitos brasileiros cultivam em relação ao resto do mundo. Contudo, é essencial romper com essa mentalidade. O Brasil jamais foi, nem é, inferior a qualquer outra nação, e nossas produções culturais e cinematográficas têm muita qualidade e estão em constante evolução.

O cinema nacional é um espelho de nosso modo de vida e de nossa realidade. Ignorá-lo ou rejeitá-lo é agir contra o próprio país, contra a nossa identidade. Além disso, é comum vermos críticas infundadas que associam filmes como Ainda Estou Aqui ao uso de recursos da Lei Rouanet, o que não condiz com a realidade, pois o filme não utilizou esse recurso. A Lei Rouanet, tão frequentemente mal compreendida, é uma política pública essencial para o incentivo à cultura no Brasil. Seu funcionamento, baseado na renúncia fiscal, permite que empresas destinem parte de seus impostos para financiar projetos culturais. Assim, não há retirada de verbas do orçamento governamental para patrocinar artistas ou obras.

Enquanto isso, práticas questionáveis em outros setores passam despercebidas ou são menos criticadas. Por exemplo, em 2024, um cantor de renome nacional — e que, segundo ele, virá a se candidatar à presidência da República em 2026 — recebeu quase 15 milhões de reais de 13 prefeituras por shows, de acordo com o Portal da Transparência e o Diário Oficial. Algumas dessas mesmas cidades enfrentavam problemas graves, como a ausência de saneamento básico, mas chegaram a pagar até 1,1 milhão de reais por apresentação. Esse contraste reforça a necessidade de avaliarmos com mais justiça e equilíbrio como o dinheiro público é utilizado e a quem realmente servem as críticas.

Valorizar as produções nacionais é um ato de resistência e um caminho para fortalecer nosso patrimônio cultural. O filme Ainda Estou Aqui ficará marcado na história como um exemplo do poder transformador do cinema, e Fernanda Torres, com sua trajetória brilhante, continua a ser um ícone da cultura brasileira. Celebrar obras como essa é celebrar a nossa gente, a nossa história e o nosso potencial. Que o cinema brasileiro continue sendo o que sempre foi: uma ferramenta de reflexão, resistência e orgulho nacional.

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