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Quando eu desisti de ser feliz

Kallil Dib

  • 03/06/13
  • 11:00
  • Atualizado há 606 semanas

Por Kallil Dib

Claro que me lembro de quando eu desisti de ser feliz. Aquele dia estava chovendo, e um frio de dar dó do andante. Eu não queria mais olhar a flor do campo, nem a luz no fim do túnel, eu vi o ladrão sorrindo e a mocinha a me desanimar.

Conheci a pessoa que era o acaso e o caso daquela mulher e sentia o abraço de sua mãe e o aconchego de seu pai ir embora. Eu via a noiva no escuro com o noivo carinhoso, brigando ao invés de se amarem e eu não entendia o porquê a trilha sonora da novela não era mais tão bonita.

Encontrei perto da Rua do Shopping um moço com cara de infeliz, ele usava terno e gravata, sapato de linha e sorriso amarelo. Seus cabelos, penteados de lado, nem se mexiam com o vento que o afrontava.

Encostado naquele carro que parecia uma Nave, o moço falava ao celular sobre o dinheiro que ganhara no fim do mês. Era tanto, mas tanto, que do outro lado da rua homens de preto o cercavam, armados até os dentes, evitando qualquer desvario de um cidadão mal intencionado, que possa roubar a grana daquele engravatado.

Dobrei a esquina, e os cachorros abandonados comiam a sobra da feira, disputando pedaço a pedaço com aquele senhor barbudo, que vestia calça rasgada e uma blusa desbotada. O mesmo Senhor que pedia ao engravatado algum trocado para se alimentar.

E continuei a trajetória até o meu destino. Antes vi a criança vendendo balas no sinal, com marcas de violência e de falsos sorrisos, percebi estampado em sua testa a vontade de ser criança, em plenos 10 anos de idade. E pensei em seus criadores procurando pelo leite que parece não existir.

Eu li no Outdoor da avenida um informativo sobre a desigualdade. Aquele Outdoor não poderia estar em lugar melhor: em frente ao andante e do empresário rico; ao lado da criança que vende balas; no lugar da árvore que ali estava; escondendo a beleza da Catedral.

Eu era feliz até aquele momento, mas descobri que eu não tenho motivos para a felicidade, e nem o mundo, a não ser que eu e ele sejamos tão desiguais quanto esses que vi e vivi por aí.

No aconchego da minha poltrona escrevo esse artigo, pensando na hipocrisia dessas ideias de governador, e nos mirabolantes planos para eu voltar a ser feliz e dar ao mundo um pedacinho do meu sorriso... Mas o preço que se paga, às vezes é alto demais.

Kallil Dib

WWW.kallildib.com

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