*Por Kallil Dib
Não existo sem você. Sem essa luz que me ilumina. Sem suas mãos para me acalmar. Sem o seu doce beijo que nunca provei.
Era assim que começava aquela carta de amor. Escrita em vermelho, com rabiscos em azul, num papel simples, tirado de um caderno de brochura. Vinha num envelope meio rasgado, com perfume doce, cheiro de menina.
Cartas não olham nos olhos, mas tocam o coração. Meia palavra, frases inteiras, contemplando o amor. Era lindo de se ver. Palavras meio borradas por lágrimas que caíram. Versos de uma vida incomum, levada por sorrisos e desvarios de um coração.
...Me lembro como se fosse agora, quando você se ajoelhou a minha frente e disse tudo que o seu coração pedia. E eu, com meu orgulho de menina, menti que não te amava. Você? Com um sorriso de canto e lágrimas nos olhos, me abraçou...
E enquanto lia, frase por frase, no mínimo três vezes, juntava em seu peito uma saudade imensurável. Coisa de amor. Amor sem resposta. Que por anos o fez sofrer, ou ainda faz.
Foi até a cozinha, pegou uma xícara de café, não quis saber do açúcar. Para que adoçar o café, se a vida era tão amarga?
E continuou a ler a carta de sua antiga paixão de infância, de colégio, de adolescência, de vida. Carta escrita por seu amor que se foi como a estação.
Manhã de inverno, tempo nebuloso, garoa fina, ventos fortes, um frio de Jordão. Tempo feito para o afeto. E ele hora sorria, hora chorava.
Franzia as sobrancelhas. Apalpava o seu rosto. Enxugava as lágrimas.
...Pois é, o tempo passou, estou longe, mas olho por você. Porque nunca te dei o meu amor, eu não sei. Mas em todos os momentos de minha vida, você foi o meu primeiro e último pensamento...
E ele lembrava com carinho as idas ao cinema, ao teatro, ao colégio. Lembrava das cantadas fora de hora, dos gestos de amizade. Lembrava os olhares apaixonados, que ela nunca admitiu.
O café acabou. A carta caiu.
...Estou deitada, numa cama vazia, aos cuidados de Deus. Acho que adoeci por pura saudade. Penso em você como fazia em tempos de rebeldia. Te mandei essa carta para você não se esquecer do meu amor. Eu te aguardo e te amo daqui, onde quer que eu esteja.
Ao final dos versos lidos, ele descobriu que a carta foi escrita pouco antes da morte chegar para a sua eterna amada. Ajoelhou em prantos, abraçou os versos escritos, como se fosse ela que estava ali.
Esperou a vida o levar. Uma estrela brilhar. E a amou para sempre, até a eternidade, e depois... E depois...
Kallil Dib
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