O velho e a flor

Sentado no banco, em frente a praça do desespero, o senhor de barbas brancas, cabelos grisalhos e óculos de grau pensava na sua vida, dias antes de partir. Arrancou uma flor cheirosa, que brotava, ainda que discreta, do chão fendido pelo tempo. E com aquela fina flor sendo admirada, lágrimas e sorrisos se revezavam em sua face.

Como era boa a sensação de ter vivido. De ter ao menos sentido amor, e ter sido amado, glorificado, penoso em seu tempo. Como eram árduas as lembranças daquele beijo na chuva de domingo. Como eram doces os pensamentos daqueles dias de apego, no sofá enchido de carinho, entre dois corações. Como era difícil admitir que o tempo passasse assim.

A flor se recheava nas mãos do velho, que com todo o carinho que a vida lhe presenteou, acariciava as pétalas macias.

Lembrava os poemas escritos para aquela moça bonita, que o desprezava, mais o amava tanto quanto ele. Eram cartas de amor, registradas por sentimentos, dos mais poéticos aos maliciosos, escandalosos, fantasiosos ditados. Que lindos eram aqueles momentos, sozinho no quarto, trancado com a solidão, e um amor para se espelhar.

A flor parecia entender toda a angustia do senhor amado. Ela não murchava como era de se esperar. Semelhava um sorriso, a felicidade, um alguém.

E então ele se lembrou da vida que viveu depois de ver o seu amor partir. O paraíso que se desmanchou, a felicidade que não mais existiu, o amor que ao invés de partir, se multiplicou.

Conheceu o pra sempre, o depois, o céu. Viveu para amar, ainda que distante, mas tão perto, o seu delírio, sua paixão. Viveu por viver, até os seus dias se acabarem, para viver novamente ao lado do seu motivo.

Assim, o velho se despediu da vida e da flor.

"Ah minha flor querida, que desse tempo não está em mim. Mas que flores são essas partidas que desabam em meu coração. Minha vida querida, que me trouxeste o amor, deixe depois da partida, eu viver como uma flor. Que brota em mim. Em guerra, paz e amor. E que minhas pétalas não voam. Como o amor que com o tempo voou."

Kallil Dib

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