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O meu primeiro amor

Kallil Dib

  • 17/01/13
  • 07:00
  • Atualizado há 625 semanas

*Por Kallil Dib

Nessa cidade encontra-se um casal de enamorados, que todos os dias depois das 18 horas se beijam na praça da catedral, ao som dos sinos de Belém, munidos por um jovem e eterno sentimento chamado de paixão.

Ele acaricia a face da bela assustada que está ali escondida de seus pais. O pai dela é um antigo delegado da cidade, rústico, bravo, dominador. E como um pai tão bravo que se preze, não deixara sua filha, agora com 17 anos, de namorico na praça da matriz.

Mas seu namorado não liga, e nem ela. A sensação de perigo rondando aquele pôr do sol até que é boa e renasce a vontade de nunca mais deixar a pessoa partir. Ele, o namorado, também com 17, é jogador da vida. A sua única preocupação é encontrá-la no mesmo horário, no mesmo local, faça chuva ou sol, com um bombom acompanhado daquela própria flor, tirada do jardim da rua de trás.

Os sorrisos são espontâneos e a troca de olhares única, como se o dia e o mundo parassem. Não há mais nada nessa vida a não ser aquele amor, o primeiro amor. E primeiro amor a gente sabe como é. É leal e inesquecível. Alias, é o único sentimento sincero: nunca acaba, é eterno.

O casal de enamorados conheceu o primeiro amor. Ela se tornara os primeiros e últimos pensamentos dele. E ele se tornara a razão dos sorrisos mais espontâneos dela. Na verdade, quando estão juntos não há palavras, o silêncio é a melhor resposta.

Coitados! Mal sabem que todo primeiro amor merece uma dose de sofrimento, um pouquinho de lágrimas e um bom terço de angústia. O tempo não para como imaginam. A noite chega, e a saudade também.

Amanhã eles não vão mais se encontrar naquele lugar. Os pais dela irão se mudar de estado e ela vai partir, deixando para trás o seu primeiro amor. Aquela noite passou como nenhuma outra, não passou!

No outro dia, às 18 horas, ela já estava longe, chorando como quando nasceu. Enquanto isso ele apanhava a flor com as pétalas mais belas e ia ao encontro de sua amada. Sentou-se no último banco da praça, o mais escondido, e a esperou. Passaram-se os minutos, as horas, o sol. O tempo mais longo de sua vida. Como era desesperador olhar no relógio e ver os ponteiros correndo, e ela não chegava, onde poderia estar? Com quem estaria? Por que o abandonou?

Abaixou a cabeça e trilhou o caminho de volta, duas horas depois do horário combinado de se encontrarem. Devolveu a flor ao canteiro da outra rua, guardou o bombom de chocolate e avelã em seu bolso, junto com o anel de compromisso que daria a ela no pôr do sol.

A chuva fina começa a cair trazendo toda a melancolia de uma solidão, tarde demais para esquecê-la, pois, já tomou conta da sua jovem essência. Cabisbaixo, as lágrimas começam a encontrar o chão e a sua única saída é voltar no dia seguinte e esperá-la ansioso.

Então, ele estava lá às 18 horas, e no outro dia, e no outro, outro... Até o seu coração parar e dizer: viva, seja feliz, ela se foi.

No estado tão distante, tantos anos depois, a doce mulher apaixonada, agor

a com três filhos e um amor que não queria, senta-se à mesa da copa, descobriu o endereço do seu primeiro delírio, e num papel de carta escreveu sobre sua saudade

Dizia com letras bonitas e desenhadas que jamais o esqueceu, e partiu para deixar em seu peito a vontade de voltar. Proferiu sobre o amor, sua vida, sua história e o que fez depois de tantos anos, e implorou o seu perdão. Escreveu apenas agora, pois, o medo da renúncia era maior, e não sabia sequer se ele ainda a lembrava.

Nas linhas escritas, disse que suas melhores lembranças incluem um amor e uma flor retirada de qualquer jardim. Completou confessando o seu maior sonho: voltar ao banco da praça, às 18 horas, encontrá-lo e aprender novamente a amar.

Depois que terminou de ler aquelas folhas, o rapaz enxugou as suas lágrimas, e sentado no banco da praça deu um beijo na flor e admirou o anel que ele nunca entregou ao seu primeiro amor. Apreciando o pôr do sol e com uma saudade que não cabia em seu peito.

Kallil Dib

www.kallil.com

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