Por Kalill Dib
São quase nove horas da noite, o jogo ta pra começar, a pipoca já pula sozinha dentro do armário e a cervejinha já está no ponto. Vou tomar meu banho, relaxar e depois de assistir ao futebol vou dormir, pois estou precisando.
Nossa, que vontade de sair daqui. Não é fácil ficar desde as 8 horas em pé, caminhando apenas até a garrafa de chá. Na minha frente um computador gastado com o Word aberto, MSN e alguns sites de comunicação ligados. Ao meu lado uns três telefones e mais umas cinco agendas.
Meus dedos já estão calejados há tempos, as teclas do teclado já perderam suas cores e só ouço o som do trânsito lá fora, dentro dessa sala, a mais inóspita que já vi.
Todos já se foram, mas eu não. Estou elaborando as pautas para amanhã, além de analisar, estudar e escrever sobre diversos assuntos para o jornal da cidade. Para isso devo ler e tentar ter uma escrita razoável e sem erros ortográficos ou gramaticais.
Mas as vezes me pergunto se alguém realmente se importa com palavras corretas e colocações equivocadas, já que quando estou no telefone, assistindo a televisão ou conversando no MSN, vejo e ouço os erros imperdoáveis, ditos até por jornalistas formados e inseridos no mundo das palavras.
Tenho um amigo, chamado Millôr Fernandes, ele é conhecido, respeitado e ousado em suas frases. "Só" é cartunista, humorista, escritor, tradutor, desenhista e jornalista.
Certa vez em uma de suas inúmeras citações ele disse: "Só depois que a tecnologia inventou o telefone, o telégrafo, a televisão, todos os meios de comunicação à longa distância, foi que se descobriu que o problema de comunicação mais sério era o de perto". No começo hesitei, não entendi tal colocação, mas refletindo calmamente resolvi discorrer sobre o assunto.
Essa tal de tecnologia foi a responsável por afastar as pessoas dos melhores meios de comunicação existentes, o boca-boca (olho no olho) e a leitura de um jornal impresso. Agora até casamento virtual já existe, algo inimaginável há algum tempo, levando em conta que um matrimônio precisa de qualquer coisa a mais do que uma Webcam e salas de bate-papo, eu acho.
Não sou tão hipócrita em dizer que a internet, por exemplo, não agrega em nada no profissionalismo de uma empresa, ou que o telefone não é uma "mão na roda", mas eles não podem ser os "atores principais" de uma rotina, eles devem ser os coadjuvantes.
Em sua frase Millôr fala em todos os meios de comunicação a distância e destaca o telefone, o telegrafo e a televisão, certamente alguns dos principais responsáveis por essa expansão tecnológica. Ficou impossível calcular quantas crianças deixam de assistir Hannah Montana (nada contra) para brincar de boneca ou jogar peão, por exemplo. Ou até descrever quem prefere procurar um emprego por telefone/celular do que ir levar seu currículo, por medo, vergonha, ou simplesmente acham mais fácil.
Acredito que o "problema de comunicação mais sério", referido por Millôr, seja a maneira radical de se mudar o mundo das palavras. O que falta é se comunicar de forma direta, ler coisas construtivas, pegar um jornal impresso pela manhã, olhar no olho de um entrevistado e ao menos se preocupar com os erros de português em um texto.
Agora vou fechar o meu MSN e ir embora fazer todo o planejado, mas não sem antes agradecer a meu amigo, cartunista, humorista, escritor, tradutor, desenhista e jornalista, Millôr Fernandes, por proporcionar tal reflexão. Talvez um dia eu o conheça, por enquanto me contento com a internet.
Por Kallil Dib