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Maldita hora que atravessei a rua XV

Kallil Dib

  • 07/10/11
  • 08:00
  • Atualizado há 692 semanas

Por Kalill DibEra tarde da noite, não me lembro se os ponteiros já marcavam o outro dia, ou se ainda faltavam certos minutos. Virando a esquina debaixo, alguém passava sem querer olhar para trás. E eu do lado oposto, na calçada do cachorro quente.

Cabelos compridos, bom molejo e uma bolsa pendurada no ombro direito. Era assim que aquela loira, de estatura alta, andava sem temer nas ruas da cidade. As vielas de tão sombrias faziam da noite alguma cena de filme. E sem medo a "donzela" caminhava em direção a seu destino.

No outro lado o cachorro quente já estava vazio, o vento gelado fazia tudo fechar mais cedo e as pessoas se recolherem, esperando o dia amanhecer. E eu ia embora, andando como de costume, esperando encontrar tão rápido a rua clara e não me assustar com alguns barulhos incômodos.

As luzes do carro preto, do boyzinho com a namorada sem conteúdo, iluminavam o caminho. O cão latia sem parar insultado pelo gato cinza que se espreguiçava sem nenhum receio. Cruzei a viela, olhando para o lado apenas por olhar, a rua numerosa não era mais de ninguém. A rua XV já estava perto.

A linha de trem ficou para trás, a poeira se espalhava com o vento intenso, ofuscando as pequenas casas da vila monótona...

Mudei de calçada. Nenhuma alma ainda passou, a não ser uma moto empinando e uma bicicleta barra forte, barulhenta.

A rua XV era logo ali. O caminho mais perto para chegar onde eu queria. Apenas um quarteirão escuro, com árvores medievais e barulhos de janelas afrouxadas. É o lugar onde os namorados fazem besteiras, e os drogados improvisam uma morada.

Podia ter ido por outro rumo, mas a rua XV talhava o caminho. E por ela eu atravessei... Não devia.

Como no filme da vida, me deparei com uma situação inocente que há tempos eu não imaginava passar. Uma criança, com alguns tantos sete ou oito anos, manuseava uma arma, com qualquer calibre que não me arrisco a dizer, e uma latinha de cerveja vazia do lado, que agora usava para se acabar com as delirantes pedras brancas.

Observei como mais um inconsequente. Meus pensamentos não tentaram descobrir onde estavam os pais do inocente menino, ou porque ele brincava com um revólver. Apenas fiquei assustado como isso se tornou corriqueiro. Uma criança e uma arma. Davi (o garoto de 10 anos que atirou na professora e depois se matou) não foi exceção, existem pequenos em situações piores, e não é difícil encontrar, é só passar ali, na rua XV.

Cheguei ao meu destino, o contraste de todo o caminho que percorri. Deitei na cama aconchegante e acordei para mais um dia de sol...

Mas amanhã o cachorro quente abre, a loira alta passa, o boyzinho vai encontrar sua namorada, o garoto vai estar por aí "brincando" com sua arma e eu, não vou suportar atravessar a rua XV, novamente.

Por Kallil Dib

www.kallil.com

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