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João

Kallil Dib

  • 24/10/11
  • 17:00
  • Atualizado há 690 semanas

Por Kalill Dib

Menino pobre e banguela, sem pais e sem vida. Era esse o tal do garoto João. Aquele que morava encostado na ladeira, perto da rodovia, no barraco improvisado, e que vivia um filme de terror toda vez que São Pedro resolvia mandar a chuva.

Doze anos de afeição, latinhas e correria. João não só se sustentava, mas também o vício de sua avó materna: alcoólatra. Era menino bom, proveniente de uma mistura simples entre amor e ódio.

Não sabia nada da vida de criança. Não jogava bola na rua e nem tinha o uniforme azul que a prefeitura oferecia aos alunos da Emeif ali de perto. Alias, nem aluno era.

Depois de aos 7 anos perder seu pai, num acidente de trabalho, e aos 8 ver a sua mãe morrer nas mãos do tráfico, foi morar com sua ascendente por determinação do governo. O garoto se viu obrigado a garantir o sustento, quando percebeu que qualquer benefício oferecido por entidades não era o suficiente.

Saia antes de o sol acordar e voltava quando a lua já estava brilhando. Pegava papelão, garrafas pet e latinhas de alumínio para ganhar seus trocos e comprar um corotinho de pinga, mais arroz e fubá.

Ele não tinha outra vida, não sabia se existia uma realidade distinta e então o sorriso se estampava como um refúgio, um sofrimento disfarçado em criança, traduzido nos pés sujos e descalços, nas marcas de surra e olhos lacrimejados. Num sorriso inocente.

João cresceu no meio de um mundo desigual. Preconceitos, decepções e desejos em vão faziam parte do cardápio de sua rotina. Assim foi conhecendo as inconseqüências, as falsas amizades e a sua história se transformou.

Já com a maioridade completa, não sabia nem o que era religião. Pregava dentro de sua comunidade carente e sempre assustada que Deus existia apenas para os que não pecam. Assim, seus pecados o faziam viver de uma maneira tão indolente quanto seu passado.

Sua avó se foi. Maldita cirrose.

João parou de procurar seu sustento nas ruas e foi fazer seu próprio comércio, ilegal. Frequentando a boca de fumo, não demorou a se enturmar e chegar ao pseudo poder. João ganhou dinheiro tão rápido quanto não imaginava ser possível. Virou o traficante do morro, e dono da boca conhecida como "boca da ladeira". Um dos bandoleiros mais procurados pelas forças maiores, porém o mais amado entre as garotas da comunidade, o mais respeitado, o prefeito.

E num mundo lindo, medroso e irreal, o rapaz com seus tantos 23 anos ditava sem receio o ritmo de sua rotina. Conseguia ali a atenção que sempre procurou nas ruas. Não era sozinho, não apanhava, o dinheiro que recebia era apenas seu. E foi assim, com um pensamento tão idealista, que transformou a sua vida monótona, como a de qualquer garoto carente, em um subsídio perfeito para sofrer.

O sofrimento veio quando o tempo ensinou que dinheiro não era tudo e que a vida não era um jogo. Que os obstáculos são necessários e as vitórias consequências. Soube que o importante não era apenas sonhar e sim aprender a viver, que para ser feliz se deve tentar.

Analfabeto, com marcas de tiro pelo corpo e sem encontrar o seu caminho, João deu adeus à vida. E em algum lugar distante, conheceu outros garotos que também não tiveram oportunidades de encontrar a tão famosa felicidade.

Por Kallil Dib

www.kallil.com

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