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Hipócritas

Kallil Dib

  • 16/12/11
  • 15:00
  • Atualizado há 682 semanas

*Por Kallil Dib

Domingo pela manhã as portas da igreja se abrem. Os fiéis e os muambeiros chegam com cara de sono, cabelos molhados e sorriso fechado. Os adolescentes que lá estão obrigados pelos pais, comentam sobre a balada e os pecados cometidos no dia anterior.

Enquanto a feira livre, livre de qualquer falcatrua e sinônimo de liberdade (pirataria, pasteis, sorrisos, espontaneidade) começa a vingar depois de o sol aparecer, o bêbado encontra a mulher enfurecida com duas crianças no colo e uma no peito.

Na televisão o plantão de notícias divulga um caso de extrema iniquidade: "homem é preso por roubar uma margarina e dois pães". Enquanto isso o prefeito daquele lugar aprecia um bom whisky na sua bela piscina, regalias custeadas por seus eleitores.

E então o pastor fala em milagres, vida e eternidade. Pessoas de olhos fechados gritando 'amém', 'aleluia', e o homem de terno e topete berra aos pecadores. Não demorou ao dinheiro chegar, assunto vindo depois de uma dose exacerbada de emoção. As lágrimas que encontram o chão, consequência da divindade, afloram as angústias e detrimentos de um povo sem poder de opinião.

O homem de Deus, que ergue a voz para proferir suas preces, solicita ajuda aos leais, para assim 'a igreja se elevar aos olhos do senhor'. Aqueles que tem tão pouco, já não possuem mais nada, venderam tudo, afinal um dia esse dinheiro se multiplica. O jargão era: "Não podemos nos ligar a bens materiais, ajude a casa do senhor". Os fiéis só não sabiam que o senhor, referido pelo pastor, era ele próprio. Carro conversível, mulheres, bebidas e mentiras, de domingo a domingo.

Nada tão diferente do padre, naquele santuário grande e lotado de gente. O sacerdote era incisivo em falar de uma questão que há tempos domina os debates entre sociedade e catolicismo. Dizia ele que sexo antes do casamento e o uso da camisinha são pecados. Sim, a igreja diz que são.

Nada espantoso se uma semana depois a casa do mesmo padre, que emocionava com sua falácia, não fosse cercada por policiais dispostos a prendê-lo. Autuado pelo crime de pedofilia o senhor de óculos e cara de santo se tornou a mais nova decepção da cidade. Em seu lar os policiais encontraram vídeos, fotos e objetos das crianças da catequese. Até algumas camisinhas guardadas numa gaveta.

E por falar em religião, as crendices da feira da cidade a fazem ser bem comentada e frequentada por ali. As barracas de verduras frescas e pasteis inigualáveis, movimentam o lugar. O comércio de CDs e DVDs, piratas, do seu José, tem até fila de clientes, inclusive o delegado, freguês assíduo.

Durante a semana seu José vendia seus produtos nas ruas da cidade, e foi numa tarde de garoa fina que viu o seu sustento ir embora. Denunciado por pirataria, o trabalhador foi levado até a delegacia, depois de ter seus produtos apreendidos. Aos prantos por saber que o que fazia era errado, porém necessário, o comerciante encontrou um dos seus mais antigos clientes, que sem pestanejar, o enquadrou no artigo 184 do Código Penal.

E o bêbado, que encontrara na garrafa de pinga o seu refúgio, chora ao ver a mulher e as crianças no barraco improvisado. Virou alcoólatra depois de ficar desempregado, como o ladrão de pães.

Ambos são eleitores da cidade volumosa, e apenas mais dois que caíram na lábia do prefeito charlatão. Político este que gozava de sua mordomia no palácio real, mas nada fazia para o bem de quem o colocou no poder. Prometeu moradia, nada. Jurou empregos, e comprou uma casa. Disse que investiria na educação, e as creches estão precárias. É político, esperar o que?

E por medo os meios de comunicação não falam nada, e então fazem o mais fácil: julgam o ladrão de pães e de margarina e o homem bêbado que mora no barraco ao lado do viaduto. Depois divulgam, especialmente aos leigos e futuros profissionais, um manual de ' como se fazer jornalismo'. Como assim, se praticam tudo ao contrário do que dizem?

Deste modo o estudante, profissional da comunicação, não pode expor sua opinião, apenas porque ela é questionadora e contrária a de todos.

Tudo aqui é uma doutrina, irrisório.

E de tanto questionarem os defeitos da sociedade, todos se tornam iguais: hipócritas.

*Kallil Dib

www.kallil.com

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