Por Kalill Dib
O sinal verde abriu. Desesperados os carros, desde o Chevette até o automático, algumas motocicletas, além de uns gatos pingados com as famosas barras forte, iam à busca do irreal, dos sonhos, dos limites e sorrisos que um dia alguém disse existir.
O feirante acordou na madrugada. O pintor só quer saber de terminar aquela casa. O empresário leva os filhos para o colégio. O político vai levantar da cama meio dia, enquanto o garoto de rua, não sabe o que é dormir a tempos. E ainda a menina de 15 anos chora de canto porque o seu paquera, com jeitinho de Justin, só quer saber dos amigos.
Fiquei sabendo que o mundo vai acabar e minha primeira reação foi como a de qualquer normal: algumas gargalhadas e gestos negativos com a cabeça. Ouvi dizer até que a data para o apocalipse está marcada. Assim, reagi como se essa inexplicável informação fosse qualquer brincadeira. Não liguei e nem levei mais a sério o fato quando foi lançado o filme, com a direção de Roland Emmerich, retratando as catástrofes mundiais que vão acontecer em 2012, número que nomeia a produção.
E por ser tão questionador e não acreditar em quaisquer dessas "loucuras", previstas por "Mães Dinah", eu me sentia meio excluído, ouvindo as pessoas conversarem sobre o assunto, como se 2012 - data marcada para morrermos- fosse mesmo o ano derradeiro. Me deparei até com programas de televisão falando disso com a maior naturalidade e fazendo as pessoas terem essa convicção inquestionável.
Absurdo! Ou não.
Parei um pouco para rever os meus conceitos jornalísticos, poéticos e ingênuos. E depois de refletir sobre o fim do mundo, eu me conformei. Não, ainda não acredito nessa história de meteoro, ondas gigantes, dinossauros, seja lá o que for que irá chegar e destruir a humanidade. Não em 2012. Ainda temos que passar vergonha com a copa do mundo dois anos depois.
Mas quando vejo filhos repudiando seus pais ou os pais abusando de seus descendentes. Crianças deixando de brincar de bolinhas de gude e levando para a escola uma arma de fogo. O garoto de 10 anos se matando no local de estudos. Um martelo virando arma mortal para o maluco atacar a mulher indefesa. O palhaço analfabeto se elegendo Deputado Federal. Trens de passageiros tombados, aviões caindo. Médicos omitindo socorro. Jornalistas sendo censurados. E mais outras inúmeras inexplicáveis barbáries por esse universo de inconsequências, eu começo a ter a convicção de que o mundo realmente vai acabar. Ou já está acabando.
Na minha infância eu ouvia falar em fim do mundo apenas nos desenhos, com seus vingadores que queriam, e não conseguiam, dominar o planeta. Hoje, são incontáveis os poderosos de carne e osso que desejam fazer do mundo sua empresa privada.
Eu tenho a leve impressão de que não vamos ver o Cristo Redentor e a Casa Branca se destruírem por forças naturais, como acontece no filme de Emmerich. Mas aos poucos a humanidade está se perdendo, se extinguindo, e isso é preocupante.
Sinto falta de ver crianças brincar na lama em dias chuvosos e arrancar o tampão do dedo do pé jogando bola no asfalto. Mas estou me acostumando a ver os pequenos se divertindo com jogos eletrônicos e armas de fogo. São essas crianças o futuro do mundo, eles vão sim viver para mudar ou justificar todas essas contestações sobre o final do universo.
O sinal vermelho fechou. Os carros, desde o Chevette até o automático, algumas motocicletas, além de uns gatos pingados com as famosas barras forte, pararam e ficaram imaginando como alcançar o irreal, os sonhos, os limites e sorrisos que um dia alguém disse existir. Antes que o mundo acabe e tudo isso se torne apenas ilusão.
Por Kallil Dib