Após morte de Karol Eller, Conselho Federal de Psicologia reforça que proíbe práticas de reorientação sexual
Suicídio da influenciadora digital Karol Eller teria sido motivado por agravamento de depressão em detrimento de terapia de renúncia à homossexualidade
A resolução 1/1999, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), estabelece normas para a atuação dos profissionais de Psicologia no que se refere à orientação afetivo-sexual dos pacientes. A decisão, inclusive, proíbe práticas que propõem a reorientação das sexualidades, segundo explica a psicóloga e psicanalista Luciana Inocêncio. A especialista ainda alerta que o CFP não reconhece a prescrição religiosa ou o coaching competentes e credenciados para trabalhar a questão comportamental clínica.
O tema veio à tona nas últimas horas, em razão do suicídio na noite de 5ª feira (12/10) de Karol Eller, de 36 anos. Após publicar um post "de despedida" nas redes sociais, contendo as frases "perdi a guerra" e "lutei pela Pátria", sinalizando que iria se matar, a influenciadora digital se jogou do prédio onde morava, localizado em Campo Belo, bairro de São Paulo-SP. Ativista política da direita, Karol tinha mais de 690 mil seguidores.
Segundo relato de amigos próximos, Karol, que era homossexual, passava por um processo difícil de aceitação, após se converter a uma espécie de "terapia de renúncia sexual", e que também trabalhava outras questões comportamentais, como "vícios e desejos da carne".
No início de setembro deste ano, Karol participou de um retiro cristão, marcando sua conversão para o protestantismo. Na oportunidade, afirmou ter "renunciado à prática homossexual".
Em 17 de setembro, durante uma live com o pastor Wellington Rocha, da igreja Assembleia de Deus, Karol admitiu ter depressão e comentou sobre uma carta de suicídio que teria escrito duas semanas antes de fazer o retiro espiritual.
Segundo Luciana, que tem formações em Psicologia e em Psicanálise em Madrid, na Espanha, na Universidade de São Paulo (USP), e na Pontifícia Universidade Católica (PUC), não existe, à luz da Ciência, "a cura gay", sendo que a prática pode torturar ainda mais o indivíduo, potencializar casos de depressão e motivar o suicídio:
"A pessoa é o que é. Você, como profissional da área, não pode tutelar essa condição. Aliás, ninguém tem este direito e autorização - nem religiões, nem coach, nem ninguém. O que se pode fazer, por meio do manejo clínico correto, é auxiliar o sujeito a conviver melhor consigo mesmo, reconhecendo seus defeitos e suas qualidades, e com o entorno. Então, quem promove este tipo de terapia ("cura gay") já está indo contra o que o CFP prega. É crime! Além do mais, pode causar tragédias como a que vimos ontem: o suicídio de uma moça que tinha uma vida inteira pela frente".
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) apoia à Resolução 1/1999 do CFP. No documento, o colegiado destaca que o uso de terapias de reorientação sexual configura prática que afronta os direitos humanos, pois reforça estigmas e aumenta o sofrimento das pessoas:
"Há 24 anos, o CFP formalizou o entendimento de que, para a Psicologia, a sexualidade faz parte da identidade do sujeito e, por isso, práticas homossexuais não constituem doença, distúrbio ou perversão. A Psicologia, enquanto Ciência e profissão, tem historicamente se posicionado em defesa dos direitos LGBT. Importante, ainda, ressaltar que, a fé é imprescritível e que as religiões, todas elas, precisam ser respeitadas, mas não podem substituir a Ciência em questões comportamentais-clínicas", reforça Luciana.
A especialista também faz um alerta para os casos de depressão e de suicídio - cada vez mais alarmantes no Brasil e no mundo. Para Luciana, as políticas públicas voltadas para esta "epidemia silenciosa" não são suficientes:
"Acabamos de sair de um 'Setembro Amarelo', que trabalha a conscientização para se evitar o suicídio. O que vemos são números cada vez maiores, e sobretudo entre os jovens. Quem decide se matar está em sofrimento psíquico há tempos. E não são muitas as pessoas que encontram coragem e motivação para procurar ajuda, fazer terapia, se tratar", reforça a psicóloga e psicanalista.
Oito suicídios por cada 100 mil habitantes
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, houve 16.262 registros de suicídio no Brasil em 2022. São oito suicídios por 100 mil habitantes.
No Brasil, 12,6% por cada 100 mil homens em comparação com 5,4% por cada 100 mil mulheres, morrem devido ao suicídio, de acordo com dados da Secretaria de Vigilância em Saúde divulgados pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022.