Tenho saudades das ruas de terra. Moleque adora brincar nestes caminhos, abre os olhos e quer sair correndo encontrar os amigos que acordaram mais cedo e já estão lá fora esperando. E passam o dia brincando por aí, nas ruas de terra do bairro afastado dessa cidade pacata.
Mas quando o sol se pôs, cada um foi para sua casa sem saber que aquele seria o último dia da brincadeira... As ruas foram asfaltadas. A cidade virou sinônimo de confusão.
Passei a refletir sobre a saudade. Sobre as memórias que temos da vida que já vivemos. Das ruas de terra à despretensão. Do sítio, da fazenda, do cheiro da goiabeira e da mangueira que fazia a única sombra no quintal. Do tempo que passamos juntos e que se soubéssemos que seria o último teríamos aproveitado mais... e mais.
A saudade é um sentimento perene: uma inesgotável emoção que toma conta da gente como se fossemos uns inúteis. Uma melancolia sem explicação, uma ausência de experiências prazerosas.
Afinal, é difícil pensarmos que poderíamos ter feito de outra maneira... Que aquela brincadeira poderia durar até mais tarde, ou aquele abraço ter sido mais longo e o gesto de carinho mais frequente.
Na filosofia, há um grande mistério para definir este sentimento: angústia, solidão, nostalgia, tristeza, alegria. Expressões contidas em falas que explicam, celebram e tratam a saudade como o sentimento mais puro e delicado que podemos sentir.
A pureza vem da vontade de voltar no tempo, a inocência de viver aqueles momentos de novo. A delicadeza é para versar sobre uma ambição bem pessoal, das flores e até dos espinhos. Dos amores e até das pedras que já fizeram doer os pés descalços.
Em minhas falas comigo mesmo, enquanto escrevo essas palavras, defino a saudade como o meu mais completo ser. Tenho lembranças boas de momentos vividos e de pessoas que partiram. Essas lembranças me constroem. Me fazem, neste momento, sorrir.
Assim, consigo encontrar uma definição que talvez seja a mesma que a sua. A saudade, enfim, me molda e constrói o que posso oferecer daqui em diante.
Os momentos bons que vêm em minha memória - na capela daquele bairro de terra, ou nas pipas sobrevoando o céu azul e o pião que rodava e rodeava a felicidade - dos primos reunidos em torno dos avós, celebrando e vivendo o que há de mais puro em uma família; dos amigos que já esperavam no portão; da goiabeira, da mangueira... Daqueles que partiram e deixaram seus legados.
São as lembranças que nos fazem!
Agora, precisamos viver uma vida de que tenhamos saudades.
Mais cedo ou mais tarde, o sol irá se pôr.