Trinta Anos do Plano Real: A estabilização que sacrificou os trabalhadores
Artigo/Opinião
Brasil, sexta-feira, 01° de julho de 1994, entra em circulação o Real que visa estabilizar a inflação que é o processo em que a moeda é desvalorizada resultando no encarecimento dos produtos que utilizamos cotidianamente. Isso corrói o salário e o custo de vida aumenta.
O Milagre Econômico e Suas Consequências
O país vivia momentos inflacionários dado a herança do milagre econômico deixada pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Tal milagre consistiu em um crescimento médio alcançando incríveis 10% ao ano entre 1968 e 1973 devido ao crescimento significativo da indústria, modernização da infraestrutura e elevação das exportações, impulsionando a economia. Cenário altamente promissor, mas que não resultou em mobilidade social para os trabalhadores.
O método de investimento incluía altos empréstimos e estímulos fiscais com políticas para fomentar a atividade econômica através de gastos públicos e redução de impostos. Com esse modelo juntando-se à crise internacional do petróleo de 1973, o milagre econômico entrou em colapso. A taxa de juros internacional aumentou e o país enfrentou extrema dificuldade no refinanciamento da dívida externa. Os resultados foram crise econômica, crescimento da dívida externa e aumento da desigualdade social com a enorme concentração de renda.
O Plano Real
Voltamos a 1994. Itamar Franco é o presidente, tendo ascendido ao poder após o impeachment de Fernando Collor de Mello em dezembro de 1992. Após sucessivos planos econômicos fracassados como Cruzado, Bresser e Verão do governo José Sarney (1985 - 1990), além de Collor I e Collor II do governo Collor de Mello (1990 - 1992), foi desenvolvido o Plano Real.
A população estava cética, acreditava que a nova medida estava destinada ao fracasso e estava acostumada a correr aos supermercados a cada salário para encher os carrinhos e estocar alimentos. Fazia isto, pois ao final do mês o preço da carne poderia estar custando o dobro daquilo que custava no início. Era o caos e a incerteza da comida na mesa.
A equipe chefiada pelo Ministro da Fazendo Fernando Henrique Cardoso elaborou o Plano Real diferindo dos planos anteriores que se basearam em congelamento dos preços e confiscos.
O planejamento consistiu em três etapas. De início, equilibrar as contas públicas e buscar, por meio das polêmicas privatizações, o aumento da receita. Objetivou-se também o corte de gastos e o aumento dos impostos.
Em seguida houve a desindexação da economia, que significa que os preços não seriam mais atualizados diariamente com base na inflação porque esta atualização constante contribuía para a hiperinflação. Na prática, a proposta era desindexar-se da inflação e indexar a economia brasileira ao dólar que era uma moeda estável.
Introdução da Unidade Real de Valor (URV)
Em março, foi introduzida a Unidade Real de Valor (URV), que funcionou como uma unidade de conta que, entre março e julho estabelecia os valores de referência para a conversão do cruzeiro real para o real, com esses valores sendo determinados pelo próprio governo.
Na última etapa, em 30 de junho de 1994, ficou determinado pelo Banco Central que CR$2.750 equivaliam a uma URV e em 01° de julho uma URV foi convertida em R$1,00. Estava lançada definitivamente a nova moeda.
Como o Real estava em paridade ao Dólar, a moeda americana chegou a valer 86 centavos de Real. Isso favoreceu os produtos importados e pressionava a indústria nacional a manter os preços relativamente baixos. Em compensação os juros explodiram. No final da década, a taxa Selic chegou a 45% ocasionando crédito caro e desestímulo ao consumo.
A medida cumpriu seu principal objetivo de estabilizar a economia e controlar a inflação. Este sucesso impulsionou a campanha de FHC e o levou ao Palácio do Planalto sendo eleito em outubro com 55% dos votos em primeiro turno.
Embora o trabalhador não precisasse mais correr aos supermercados o seu poder de compra continuou baixíssimo. Um paradoxo diante dos desejáveis preços estabilizados e do desemprego em crescimento.
O Período de Transição
O impacto do controle inflacionário foi tão grande que FHC ainda colheu frutos na eleição de 1998. Venceu, novamente em primeiro turno, com 53% dos votos contra 31% da chapa Lula/Brizola. Porém, o país crescia apenas 0,8% ao ano e a estratégia da campanha foi apresentá-lo como um comandante experiente em momentos de crise frente ao candidato Lula, que ainda não havia exercido cargo no Executivo.
Seis economistas de diferentes áreas afirmaram à Folha de S.Paulo em setembro de 1998 que "os anos 90 devem ser definidos como um período de transição para o Brasil. Um modelo de economia fechada, baseado na intervenção estatal, foi substituído por um modelo aberto, baseado na iniciativa privada".
Mas e os trabalhadores? De fato, o dragão inflacionário foi domado e os preços estabilizados. Em 1998 São Paulo chegou a apresentar deflação. Mas as classes mais baixas continuavam a padecer frente a falta de crédito e a dificuldade em se inserir no mercado consumidor.
Novos Desafios Econômicos
A crise que outrora fora relacionada à moeda desvalorizada, à falta de credibilidade e ao investidor, agora era a crise do trabalho, do empobrecimento da população, da fome, do desespero e da violência. Um efeito dominó causado pelo baixo poder de compra do brasileiro em uma economia que não crescia após quatro anos da implementação do Real, mas que estava estabilizada.
O economista Paul Singer, em entrevista ao programa Roda Viva em 1999 explicou que "Essa estabilização imensa foi imposta não só em cima de um câmbio, que se desvalorizava anualmente por 7,5%, mas sobretudo a custo de taxas de juros imensas, nos níveis mais altos, e com isso houve um sacrifício imenso dos trabalhadores", explica.
Para Singer, a saída era: "o que permite o país retomar o crescimento é valorizar o mercado interno. É reintegrar a economia ao consumo a milhões de famílias que foram marginalizadas e graças a isso fazer a economia crescer, inclusive para produzir os excedentes necessários para cumprir os compromissos de dívidas que o Brasil tem".
Legado do Governo FHC
Foi sob o governo FHC que a economia consolidou a estabilidade e que o Brasil se inseriu profundamente na política neoliberal. O país tornou-se dependente do Fundo Monetário Internacional com bilhões em empréstimos. A desigualdade social não diminuiu.
O sociólogo que venceu duas eleições em primeiro turno viu seu capital político naufragar. Em março de 2001 69% dos brasileiros diziam que o maior problema do país era o desemprego. Já 57% não votariam de jeito nenhum em um candidato que desse continuidade à política de Fernando Henrique.
Em outubro de 2002, seu candidato José Serra foi ao segundo turno. Venceu em apenas um estado e recebeu 38% dos votos frente a 61% de Lula que chagava à presidência após três disputas.
Em suma, apesar da estabilização econômica, o Plano Real não apresentou soluções para o combate à miséria brasileira. Foi uma forte intervenção estatal que ano após ano ganhou contornos neoliberais capitaneados pelo comandante FHC.
*este texto não representa a opinião do Portal AssisCity e é de responsabilidade do seu idealizador