Programas sociais, terceirização, trabalho sazonal
O que foi dito pelas vinícolas no caso de exploração de trabalho escravo em meio a faturamento recorde - COLUNISTA Elisa Barbosa
A cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, sempre foi referência nacional na produção de vinho e produtos de derivados da uva. Maior produtora de uvas viníferas do estado, Bento Gonçalves está no centro das atenções de todo o país nesta semana, mas não por bons motivos.
Com aproximadamente 123 mil habitantes, localizada na Serra Gaúcha, berço da vitivinicultura do Brasil, a cidade alojou 207 pessoas que tinham jornadas de trabalho de mais de 15 horas, alojamento precário, sofriam violência física, eram alimentados com alimentos estragados, ou seja, análogo à escravidão.
Choque elétricos e uso de spray de pimenta foram relatados pelos trabalhadores como meios adotados contra eles pela Fênix Serviços Administrativos, empresa terceirizada pelas vinícolas.
Segundo nota pública do Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Bento Gonçalves, a situação em que os trabalhadores foram encontrados têm relação com "um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade".
Ou seja, a entidade relacionou a falta de mão de obra na região ao pagamento de benefícios sociais, como o Auxílio Brasil e o Bolsa Família: "Há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade".
As empresas, três das maiores vinícolas brasileiras - Salton, Garibaldi e Aurora - que faturaram mais de R$ 1 bilhão na última safra (somente a Aurora negociou R$ 746 milhões em 2021), negam que sabiam sobre a situação destes trabalhadores. Em seus sites oficiais, divulgam iniciativas e respeito às normas ESG.
No entanto, é nítido que ainda não estão preparadas para tratar do tema. O pilar social, que tem como foco o respeito e a dignidade das pessoas, engloba, também, a responsabilidade e obrigação legal de verificar se os funcionários, ainda que terceirizados, estejam trabalhando em condições dignas e têm seus direitos respeitados.
O gerente de marketing da Cooperativa Vinícola Garibaldi, Maiquel Vignatti, porém, manifestou-se em seu perfil no LinkedIn, defendendo que as manifestações e indagações relativas ao trabalho escravo contra a empresa não passavam de "lacração".
Infelizmente, segundo a professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE), Carmen Migueles, o que ocorreu não é exceção, mas, sim, a regra. "O trabalho digno e justo está na Agenda 2030 da ONU, mas o Brasil tem uma das mais altas taxas de acidente de trabalho do mundo por causa dessa precarização." Para ela, o consumidor tem um grande papel, que é o de não comprar produtos que têm origem em mão de obra escrava.
Mapear criteriosamente os stakeholders internos e externos constitui uma das tarefas iniciais de uma empresa interessada em seguir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. E é uma das obrigações mais importantes quando a empresa diz que respeita as normas ESG. Neste caso, o falar e o agir devem caminhar lado a lado.