Português é fácil, você é quem fala difícil
COLUNISTA - Michelle Orsi
Desde que o país adotou a língua portuguesa como oficial no Brasil, por volta de 1532, que o brasileiro tem uma relação de amor e ódio com seu idioma. Uma língua falada por mais de 265 milhões de falantes espalhados por todos os continentes e vários países - Brasil, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Portugal, Macau. Uma língua repleta de regras e exceções ou seria "excessões"? Calma, excessão com dois SS não existe. Ufa, pelo menos essa não me confunde como sessão ou seria seção? Não, acho que é cessão. Não importa, melhor não escrever, se eu apenas falar ninguém vai perceber o erro de ortografia.
Veja você como o português brasileiro é interessante. As pessoas têm medo de escrever, porque acham que vão errar, mas não tem receio de falar errado e até soltam, sem nenhum pudor, um "mim fazer", que na escrita e na fala é uma comunicação gramaticalmente errada. Nesse sentido, mas com menos dor no ouvido, eu posso tranquilamente falar "Me liga", mas não posso escrever "me liga", já que a regra é clara: pronome oblíquo nunca inicia frase; assim, o correto é "Ligue-me.". Te amo, então, só no mais íntimo do relacionamento, já que o correto é amo-te. Mas porque o português complica tanto a nossa vida? A pergunta correta seria: A língua portuguesa que é complicada ou o "jeitinho brasileiro" que não aceita regras e complica até a próprio idioma?
Preste atenção na palavra "coisa". Todo mundo entende, ela não diz nada, mas explica tudo. Se eu disser "Nossa, a coisa tá feia.", você já entendeu que algo não vai bem ou se alguém falar "To sentindo uma coisa estranha", você já decifrou que ela pode estar doente; melhor, se eu pedir "Pega aquela coisa para mim, por favor.", você, por adivinhação, já sabe que "coisa" é essa; e se eu te disser "Preciso te falar uma coisa", pronto, já te dá um ataque de ansiedade, isso porque você nem sabe de que "coisa" eu vou falar. E assim segue com outras palavras: nada, nunca, sei lá, difícil. "Difícil" pode ser tanto uma situação complexa quanto uma saída pela tangente, numa conversa desagradável: "Nossa, difícil, né?!"
Agora, nada supera as gírias. "Mano, tá osso entender um brother hoje.". É um tal de "Miga" para cá, "trolar" para lá, "chocar zero pessoas", ficar com o "basculho", "shippar" o coleguinha, ficar "Mec", ser "Poser", ser "Cringe", "Mitar", "Divar", ser "Chavoso", e olha que não listei nem 1% do que a "lacração" fala por aí. A dúvida que surge é: como se comunicar hoje? Se para nós brasileiros já está impossível, imagina um estrangeiro chegando por aqui, quero ver você conseguir explicar a ele o significado de "coisa". E assim, de fala em fala, gíria em gíria, falta de acento aqui, falta de pontuação acolá, o brasileiro vai modificando a língua, ignorando as regras, dificultando a comunicação e colocando a culpa no coitado do português - que é fácil, você é quem fala difícil.
Essa foi minha primeira colaboração para essa coluna. A cada semana, trarei, de forma mais descontraída, as regras da nossa língua, mostrando como é boicotada, transformada em vilã, mas, na verdade, é a sua maior aliada para uma comunicação clara e objetiva.
Nos vemos na próxima semana, até lá.