Há 40 anos, campus de Assis protagonizava luta histórica por democracia na UNESP
Consulta feita por alunos, docentes e técnicos-administrativos 'elegeu' o docente William Saad Hossne, da Faculdade de Medicina de Botucatu para o cargo de reitor. Escolha foi ignorada, e comunidade respondeu com paralisação e até invasão da reitoria
Assessoria de Comunicação
- 12/12/24
- 14:00
- Atualizado há 7 horas
"A Unesp é nossa", dizia a faixa destacada no alto da reitoria ocupada na praça da Sé, no centro de São Paulo, em 1984. Na época, não era uma afirmação qualquer. Isso porque a universidade foi fundada em 1976, sob o signo da ditadura militar.
Nasceu de uma canetada do governador Paulo Egydio (1928-2021), que decidiu reunir os antigos "institutos isolados" e nomeou como primeiro reitor Luiz Ferreira Martins (1935-2021), então coordenador da Cesesp (Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo). Martins remanejou docentes e rearranjou cursos, fechou disciplinas e departamentos. Um conselho provisório, composto pelos diretores das diversas unidades, elaborou o estatuto da universidade, sem diálogo com os segmentos acadêmicos. Eram tempos nebulosos, marcados pelo autoritarismo.
Um clima de democracia
Em 1982, o cenário político começou a mudar, pois foi quando ocorreram as primeiras eleições diretas para o cargo de governador desde 1966. Nos três maiores colégios eleitorais do país, SP, RJ e MG, foram eleitos candidatos de oposição ao governo militar. Foi nesse clima que a oposição começou a acalentar o sonho de eleições diretas para presidente em 1985, o ano que marcaria, em definitivo, o retorno do poder às mãos dos civis. Manifestações pedindo voto popular se espalharam pelo país, escalando ao Congresso Nacional com a Proposta de Emenda Constitucional 05/83, apresentada pelo parlamentar Dante de Oliveira, que estipulava o voto direto para as eleições em 1985.
Em 1983, o clima contagiou o campus de Assis: docentes do ILHPA (Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis) discutiam a possibilidade de que a eleição do próximo diretor da unidade se desse por meio do voto direto, e compartilharam essa visão com a comunidade por meio de um boletim informativo.
Em medos de junho de 1983, ocorreu a votação para diretor do ILHPA, conduzida com apoio da Associação de Docentes da Unesp (Adunesp). O reitor, que nomeava os diretores na época, ignorou a votação, e o núcleo da Adunesp, então, emitiu uma nota repudiando a escolha e clamando pela mobilização da comunidade.
A mobilização da comunidade acadêmica em Assis foi recebida com mensagens de apoio por parte da UNE (União Nacional dos Estudantes) e da Andes (Associação Nacional de Docentes de Ensino Superior). Também criou o clima político para que docentes ligados à Adunesp decidissem arriscar um passo mais ousado: chamar uma mobilização geral da universidade pela eleição direta para o cargo de reitor.
As diretas estão no ar
No fim de 1983, alunos, docentes e servidores puderam se manifestar na consulta organizada pela Adunesp. William Saad Hossne, do campus de Botucatu, teve mais de 7,3 mil votos; Nilo Odália, ex-presidente da Adunesp e ex-diretor do campus de Araraquara, 3,7 mil. No entanto, o Conselho Universitário, controlado pelo reitor, deu de ombros para o pleito. Ninguém entendeu nada. Ao mesmo tempo, todo mundo entendeu tudo. Composto majoritariamente por acadêmicos alinhados à reitoria, o Colégio Eleitoral não queria ouvir a comunidade unespiana.
Em 1984, enquanto as Diretas Já agitavam o país, não demorou para que protestos pipocassem no estado contra as atitudes da reitoria da época. Delegações de vários câmpus (entre eles Araraquara, Araçatuba, Assis, Botucatu, Guaratinguetá, Jaboticabal, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio Preto) foram de ônibus ao Palácio dos Bandeirantes para contestar as decisões. Montoro, governador da São Paulo na época, discursou ao fim do encontro, comprometendo-se a "resolver" o impasse.
Entre idas e vindas, a movimentação pela democratização do processo de escolha do reitor da Unesp resultou na nomeação de Jorge Nagle. Saad, tantas vezes indicado, nunca foi escolhido pelo governador. Alguns interpretaram a escolha de Montoro como uma derrota do movimento. Para outros, Nagle apareceu como a melhor alternativa para que se efetivasse uma transição na universidade.
"Enfim, a vida da qual nos orgulhamos foi uma sucessão de revezes, de derrotas. Sempre pretendemos mais do que conseguíamos fazer, mas acredito que a construção de uma sociedade pautada por justiça social e democracia é realizada assim mesmo. Propomos muito, não conseguimos, mas se avança e se constrói", diz Luiz Rocha, professor da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus de Assis desde 1983, no livro Tenho algo a dizer.