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Carta Aberta ao prefeito de Assis, Ricardo Pinheiro Santana

A Carta é de autoria de Lao Ferraz

Lao Ferraz

  • 09/09/15
  • 14:00
  • Atualizado há 481 semanas

Caro Ricardo

Permita-me tratá-lo assim, com familiaridade, afinal, fui aluno de seu pai e você foi meu. Dispensemos o uso de uma polidez que seria fingida.

Embora morando há muitos anos em São Paulo, nunca deixei de acompanhar o que acontece em Assis. A ponto de, por exemplo, em 2012, prever com meses de antecedência sua vitória eleitoral, e você tinha adversários fortes, e também forte$, na disputa.

Acrescento, achava interessantíssima - e o disse e/ou escrevi em muitas ocasiões - a candidatura de uma pessoa que buscara pela via dos estudos se aprimorar em gestão municipal.

Desde sua vitória confesso que me decepcionei. Esperava mais e melhor de sua gestão. A par de algumas realizações, no geral sua administração tem sido pífia perto das necessidades de Assis, além de equivocada no estabelecimento de prioridades. É como penso.

Na última semana vi uma notícia que me deixou estarrecido, o corte do lanche para as cerca de 600 crianças participantes do projeto 'Esporte como você sempre quis'. O programa é ótimo, mas...Poxa, Ricardo, cortar despesas começando logo por comida das crianças? Conte para nós, de quanto vai ser essa economia? Não havia nenhuma outra alternativa para começar? A prefeitura está tão mal das pernas? Se sim, qual sua responsabilidade nisto, já que está terminando seu terceiro ano de mandato? E ainda vem uma secretária de Educação dizer que os lanches eram apenas "cortesia" (foi piada dela?). Comida para criança pode ser muita coisa, mas cortesia é que não é.

Não se aborreça, minha intenção não é espinafrá-lo, muito pelo contrário. O que eu quero é ajudar. Por isto tomo a liberdade de lhe fazer uma advertência: o mel podre dos puxa-sacos pode arrasar governos, e você está incorrendo neste risco. Se conscientemente ou não, ignoro. Dou-lhe o benefício da dúvida.

Eles, como ácaros e como os poluentes em suspensão, abundam em todo lugar, em Assis não é diferente: os puxa-sacos, louvaminheiros, bajuladores, cortesãos, baba-ovos, capachos, escova-botas, lambeteiros, mesureiros, servilões, xeleleus, zumbaieiros (a lista de sinônimos é imensa). Sempre a varejar o poder, para dele servir-se.

Impressiona o que se ouve nas imediações de seu gabinete, área nobre de atuação dessa raça. Os elogios das - parcas - obras públicas (quase sempre acompanhados de piadinhas sem graça). Por detrás, interesses tantos, raríssimos os puxa-sacos que o fazem somente por esporte ou vocação.

Os áulicos estão na comunicação, oficial e privada, no empresariado, nos escalões da administração, em todos os lugares. Com a invenção do Facebook, ganharam uma ferramenta a mais para expelir sua baba açucarada em favor de quem lhes possa render alguma vantagem. Como você é o atual prefeito... Há também os bajuladores táticos, aqueles que, sabendo que a lambição descarada desgasta, lambem com cautela, intramuros, olhando aos flancos.

Não esqueça nunca a preciosa lição do escritor francês Jean de La Fontaine, atento observador da condição humana, em sua fábula 'O corvo e a raposa': "Aprendei que todo adulador vive à custa de quem o escuta".

Ou o Sermão da Sexagésima, do padre Antônio Vieira, pregado em 1655: "Palavras sem obras são tiro sem bala, atroam mas não ferem". Perdoe o remoque, mas noticiário chapa-branca e seus vídeos autoadulatórios não vão melhorar o desempenho de sua administração.

E já que falei em noticiário chapa-branca, acrescento: é um erro da prefeitura pretender trocar publicidade por cobertura amena, ou, pior, bajuladora. Muitos podem aceitar tal acordo, mas tenha claro que informação é bem público, jamais deve-se aceitar barganhá-la. O dinheiro pode ser grande, mas o homem tem que ser maior. Aprendamos com o político inglês Benjamin Disraeli: "A vida é curta para ser pequena".

Um governo tem que aprender a conviver com as críticas de uma imprensa honesta e batalhadora. Relação imprensa/poder público é tensa, e deve ser assim. Errado é se houver mansidão, se cair na pasmaceira. Significa que um dos lados - ou ambos, mais provável - não está cumprindo sua função.

Uma imprensa dócil, débil, é benéfica só na aparência. No fundo, é inimiga. Uma imprensa crítica, que incomoda, mas o faz com honestidade, só aparentemente é oposição. É, na verdade, amiga.

Sintoma certeiro de que um governo se apequena é quando passa a rechaçar as críticas. Sintoma certeiro de que a imprensa se apequena é quando passa a noticiar somente "a favor". Fiquemos num só exemplo: quantos/quais órgãos de imprensa assisenses noticiaram quando um carro foi engolido por uma cratera aberta, e não sinalizada, em pleno centro da cidade, na esquina da Rua Floriano Peixoto com a praça da Catedral?

Estou com 54 anos, o caminho trilhado é muito maior do que o a trilhar. Como certa vez escreveu o memorialista mineiro Pedro Nava, "tenho mais luz na traseira que na dianteira". Não viverei outros 54 anos. Tomei a liberdade de lhe exprimir algumas opiniões dentro do que julgo haver aprendido durante a vida. Você, mais jovem, tenho como certo ter mais luz à frente. Use seu vigor para quebrar esta relação daninha entre poder público e os puxa-sacos, louvaminheiros, bajuladores, etc. etc., aí incluídos os da imprensa.

Não trate quem o admoesta enquanto prefeito como inimigo (achei lamentável sua iniciativa de processar um cidadão pelas postagens críticas dele em rede social). Como escrevi alhures, o crítico sincero é amigo, inimigos são os bajuladores. Aceite as críticas, ao optar pela vida pública você a elas se expôs voluntariamente.

Os resultados serão bons e potencializados, tenha certeza. Sua administração vai melhorar. Assis em muito lhe agradecerá se o fizer.

Lao Ferraz

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